Trauma Da Inflação

Meu pai nasceu na praia, e toda minha família deste lado mora no litoral, ondepassei muito tempo da minha infância.Quando eu era pequena, mas bem pequena mesmo, passei por um trauma na beira domar. Uma onda mais forte me pegou bem no meio e me girou várias vezes. Ao finalda onda, eu tentei voltar para a superfície, mas bati a cabeça no fundo daareia. Confusa sobre onde era em cima e embaixo, fiquei apavorada. Mas segundosdepois, senti alguém me puxando para fora do mar. Sobrevivi, mas fic

Nord Research 07/12/2020 18:45 4 min Atualizado em: 16/11/2023 14:11
Trauma Da Inflação

Meu pai nasceu na praia, e toda minha família deste lado mora no litoral, onde passei muito tempo da minha infância.

Quando eu era pequena, mas bem pequena mesmo, passei por um trauma na beira do mar. Uma onda mais forte me pegou bem no meio e me girou várias vezes. Ao final da onda, eu tentei voltar para a superfície, mas bati a cabeça no fundo da areia. Confusa sobre onde era em cima e embaixo, fiquei apavorada. Mas segundos depois, senti alguém me puxando para fora do mar. Sobrevivi, mas ficou um trauma.

Hoje em dia eu adoro o mar, mas respeito muito as ondas. Sempre que elas vão se formando no horizonte e crescendo, me dá um frio na barriga enorme. Quanto maiores elas ficam, mais medo vai me dando. Mesmo que eu já tenha visto elas voltarem a diminuir depois um trilhão de vezes.

As ondas são assim; elas nascem, crescem, quebram e vão diminuindo. Porém, no meio do "crescem", eu não consigo enxergar a queda posterior e vai me batendo um medo danado.

No mercado financeiro, esse comportamento de ondas é extremamente comum. Vários ativos respondem a ondas de notícias positivas, ondas de notícias negativas e ondas de medo.

Comportamentos de curto prazo frequentemente contaminam preços de longo prazo.

Fiz, quando era gestora, um gráfico comparando a inflação implícita longa (diferença entre a taxa dos títulos prefixados e a dos IPCA+) com a inflação de curto prazo. Era impressionante como choques inflacionários e altas de preços na inflação corrente geravam altas (e posteriores quedas) na precificação da inflação de 10 anos.

Ainda mais se tratando de inflação que, assim como eu e as ondas do mar, se tornou o grande trauma do nosso país. Qualquer fumaça já vira fogo para nós quando se trata de aumento de preços.

Tivemos uma mudança de arranjo econômico brutal por conta da pandemia. Várias cadeias de produção foram obrigadas a parar suas atividades, provocando quebra de fornecimento de diversos itens. Apesar disso não ser consequência de uma desvalorização generalizada da moeda ou superaquecimento da economia, somos incapazes de observar o efeito temporário de forma racional e fria.

Vamos gritando por aí: "Fogo! Fogo!".

Já que é assim, já que não temos como mudar a realidade, temos que tentar nos beneficiar dela. Ou seja, usá-la a nosso favor.

Como?

Sabemos que a inflação vai seguir subindo ao longo do primeiro semestre do ano que vem. Sabemos que a inflação vai acelerar até os 6 por cento anualizados. Sabemos que isso vai assustar e jogar o mercado a precificar inflação implícita alta, assim como criar uma necessidade grande de alta de juros no curto prazo.

Sabemos que haverá um momento em que boa parte do mercado dirá que a inflação foi para os ares! Sabemos que, nesse momento, veremos nos jornais a palavra "hiperinflação" ou "estagflação".

Em vista disso, temos duas formas de agir: uma inteligente, outra nem tanto. A nem tanto seria "peitar" o mercado, ficar aplicando juro longo e se segurando firme todos os dias ao longo da passagem da onda mais agressiva. Pode dar certo no final, mas o estresse é enorme.

A segunda é olhar a formação da "onda da inflação", esperar a gritaria, esperar o mercado colocar bastante prêmio, esperar os juros ficarem bem gordinhos, e aí então entrar no mar! Vai dar o mesmo resultado da primeira forma, mas o estresse é infinitamente menor.

Esta semana, teremos o Copom (Comitê de Política Monetária). É esperado pelo mercado que nada aconteça. Mas na reunião seguinte, em janeiro, o mercado já coloca 50 por cento de chances de uma alta de 25 pontos base, o que levaria a Selic para 2,25. E 300 pontos ao longo do ano, levando a Selic para 5 por cento.

Mesmo com desemprego recorde, mesmo com hiato aberto (PIB bem abaixo do potencial), mesmo com FMI dizendo que teríamos que reduzir mais os juros, mesmo com a cadeia global de suprimentos se normalizando com a vacina. Afinal, isso aqui é Brasil, e temos histórico de hiperinflação. Não podemos nos dar ao luxo de ter "choques temporários" de alta nos preços.

Eu concordo? Não!

Eu vou apostar contra? De jeito nenhum!

Deixe o mercado formar a onda de ceticismo. Deixe o mercado falar em hiperinflação, em desancoragem…

Aprendi desde criança a não encarar uma onda de frente!

E tem a melhor parte de esperar a onda passar: você ainda tem tempo de perceber que está errada! Como eu disse acima, respeitar o mar é muito importante.

Recomendo o mesmo para você.

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