O mercado e suas temáticas

Luiz Felippo 10/04/2021 12:00 6 min Atualizado em: 26/04/2021 19:41
O mercado e suas temáticas

De tempos em tempos, a depender das circunstâncias, o mercado tem suas temáticas preferidas. Mais do que de repente, determinado assunto se torna o tópico principal de conversa dos investidores. Uma hora são os fundos de crédito privado, outra são os investimentos no exterior, tecnologia americana, empresas chinesas, FIPs, Private Equity, Bitcoin etc. Tudo depende do que está “na moda” naquele instante.

É natural que o que está “quente” no momento esteja intrinsecamente ligado à recente performance dos ativos. Afinal, o discurso se torna mais atrativo quando se tem um gráfico bonito de resultados bonitos para mostrar. O pior é que funciona justamente por isso. O charme do vendedor fica quase irresistível.

Claro que tudo isso não é colocado assim para você, seria rude. Toda a discussão é pautada como um discurso de diversificação, o que não está equivocado. Como investidor, você precisa filtrar. Entender o que é prioritário na hora de diversificar, o que realmente vai gerar valor para a sua carteira.

Às vezes, eu tenho a impressão que as pessoas se perdem nas temáticas...

O milagre da moeda que dobra todo dia

Há um tempo, vi um experimento nas redes sociais. Nesse teste, você deveria escolher entre duas opções: 3 milhões de reais hoje ou uma moeda de 1 centavo que dobrasse todo dia por 1 mês. Diga-me, qual você escolheria? 3 milhões parece tentador, mas com um pouquinho de matemática, chegamos à conclusão de que essa não é a melhor escolha – afinal, 1 centavo se torna pouco mais de 5 milhões.

Esse é o ativo dos sonhos de qualquer investidor: algo que dobre todo dia, com um lindo comportamento exponencial e que o tornaria automaticamente rico no final do mês. Como esse ativo não existe, deram um jeito de encontrar um substituto parecido: o Bitcoin.

Gráfico apresenta comparação entre o desempenho da "moeda que dobra todo dia" e do Bitcoin.
Fonte: Bloomberg e Nord

Talvez esse seja um dos motivos por trás desse desejo recente com o Bitcoin, inclusive com várias corretoras criando fundos. De fato, parece ser uma das modas do momento, ainda mais com essa alta recente. Quanto mais ele sobe, mais aumentam as perguntas relativas a ele no meu Instagram. “Devo comprar?”; “Vale a pena ter o fundo de cripto xxx?”.

Se não fossem os tempos de pandemia, talvez você escutasse falar sobre isso em todos os lugares que frequentasse, seria o símbolo máximo da potencial “riqueza rápida”. Enquanto as pessoas dão atenção às modas do mercado, há coisas mais importantes a se pensar. Antes que você me xingue ou diga que não entendo nada sobre isso para chamar de “moda”, eu concordo que, em partes, você tem razão. Vou explicar por quê.

Se você, possuído pelo ódio, não parou no trecho anterior, já deixo aqui meu muito obrigado.

Antes de prosseguir com o racional, deixe-me esclarecer duas coisas. A primeira é que meu conhecimento é limitado no assunto. O assunto divide opiniões em investidores globais renomados, então não serei o responsável por propor uma solução para isso.

A segunda é que não estou julgando os méritos disso, nem buscando catequizar você para se tornar um “anti Bitcoin”. Minha perspectiva é a de quem constrói um portfólio e pensa em adicionar o Bitcoin. O que eu mais vejo são as pessoas acreditarem que, dado o comportamento explosivo dele, isso fará total diferença. Portanto, seria questão de vida ou morte avaliar o ativo hoje. Penso diferente e vou buscar explicar por quê.

O primeiro ponto é que, dada a natureza do ativo, quem se aventura a alocar tende a fazê-lo de forma pequena (1 por cento ou 2 por cento do patrimônio). Em outros ativos de bolsa, você tolera ter 20 ou 30 por cento (a depender do seu estômago). Então, voltemos ao caso da moeda. O que contribuiria mais para o seu portfólio: um ativo em bolsa que sobe 20 por cento ao ano por 20 anos com 30 por cento da carteira ou ter o Bitcoin, que se multiplicaria por 100x com 1 por cento?

Você pode estar tentado a escolher as 100x, eu entendo, mas não é a melhor alternativa. O que varia é que, dada a forma como estruturamos o portfólio, o tamanho da alocação importa. Ainda que você tenha feito 100x, é sobre 1 por cento da carteira, resultando em 100 por cento de aumento do portfólio (a grosso modo, tá?). Em contrapartida, um ativo que sobe 20 por cento ao ano multiplica-se por 37x em duas décadas, mas a alocação maior faz com que a contribuição total seja de 1120 por cento.

Isso não serve só para esse exercício lúdico, mas também serve para os números. Fiz uma comparação com dois portfólios:

(I) 80 por cento IBOV, 19 por cento S&P e 1 por cento Bitcoin (linha azul);

(ii) 70 por cento IBOV e 30 por cento S&P 500 (linha vermelha).

Ambos são balanceados para manter os percentuais. Os resultados são estes:

Gráfico apresenta comparação entre dois portfólios:  (I) 80% IBOV, 19% S&P e 1% Bitcoin (linha azul); (ii) 70% IBOV e 30% S&P 500 (linha vermelha). Ambos são balanceados para manter os percentuais.
Fonte: Economatica.

O curioso é que, ainda que o Bitcoin tenha se multiplicado centenas de vezes, não foi o suficiente para compensar os 10 p.p adicionais alocados na bolsa americana do outro portfólio. Acredite em mim: não existe bala de prata. Concentre suas energias, primeiro, nas partes mais importantes do seu portfólio.

Vejo muita gente procurando acessórios antes mesmo de vestir a roupa direito…

Gaste energia de maneira inteligente

Eu acredito que precisamos, a todo momento, estar procurando formas de melhorar a nossa carteira. Isso eu nunca vou parar de fazer, por isso busco estudar alternativas viáveis. Procuro ser bastante agnóstico com relação a dogmas ou preceitos, tentando encarar todo tipo de ativo ou estratégia. Por mais que eu seja analista de fundos, não vou deixar de recomendar ETFs em certo mercado se isso for o melhor para o meu cliente. Em momento nenhum o orgulho pode ultrapassar a racionalidade.

Acredito que muita gente está procurando falar dos 5 por cento do portfólio em Private Equity ou 1 por cento em Bitcoin sem consolidar mais fortemente as partes principais da carteira. Novamente: não será com 1 por cento em Bitcoin ou 5 por cento do fundo de Private Equity que você fará a diferença. O grosso do retorno da carteira estará no restante. O investidor brasileiro, em geral, tem um longo caminho a trilhar em termos de diversificação entre classes de ativos diferentes, o que é fantástico. Entretanto, faça isso com consciência e aos poucos. Não precisa de “afobação”.

Quem me acompanha no Nord Fundos sabe bem disso. Eu busco ser bastante transparente com os assinantes (e comigo) sobre o caminho que desenhei para a nossa carteira por lá. Ela será construída aos poucos, adicionando itens que a ajudem a se tornar melhor a cada dia. Desse modo, se um dia – no futuro – você quiser adicionar o tal Bitcoin, já terá uma carteira bem consolidada e geradora de resultado. Ele será somente um acessório para ajudar na carteira.

É isso. Um grande abraço para você, que conseguiu ler este texto.

Ótimo domingo!

Tópicos Relacionados

Compartilhar