Não é toda inflação que importa

Marilia Fontes 12/07/2021 12:06 5 min
Não é toda inflação que importa

Toda vez que alguém vai ao supermercado e vê um preço de algum item mais alto, já logo reclama da inflação e manda hashtag para o Banco Central. Você não pensa nisso também?

Acontece que, ao contrário do que as pessoas pensam, não é toda alta de preços que preocupa o Banco Central. Eles focam em um processo bem específico quando utilizam a política monetária.

Para explicar qual inflação importa, vou começar do começo.

O que é inflação?

Inflação é um processo de aumento de preços contínuo e generalizado.

É contínuo porque não pode ser um choque. Imagine que tivemos chuvas agressivas e a safra de alimentos foi ruim. Nesse caso, é esperado que o preço dos alimentos suba, dada a escassez de oferta, até que a próxima safra equilibre novamente a oferta e a demanda, e o preço volte a cair.

Nesse caso, o Banco Central não precisa fazer nenhum ajuste na política monetária, pois o preço voltará ao normal naturalmente. Além disso, mesmo que eles optassem por subir a taxa de juros, ela teria pouco ou nenhum impacto no preço dos alimentos. Por último, ainda teria a defasagem. Uma alta da Selic hoje demora cerca de um ano a um ano e meio para fazer efeito na economia.

Vocês lembram que eu expliquei, no meu artigo da semana passada, que a alta da taxa Selic se propaga na economia através de 5 mecanismos de transmissão (aumenta poupança, expectativas, preço dos ativos, câmbio e crédito)? Pois todos esses mecanismos atuam estimulando a redução da demanda de uma forma generalizada.

Por esse motivo, a alta dos preços não pode ser específica de um setor. Isso porque para controlar essa alta, o Banco Central subiria a Selic, que por sua vez reduziria a demanda da economia de uma forma generalizada, prejudicando todos os outros setores, aumentando o desemprego e dificultando o crédito. Seria como dar um antibiótico só porque alguém espirrou.

Ou seja, algumas altas passam batidas pela autoridade monetária, que aguarda para ver se os efeitos de aumento dos preços são temporários ou permanentes e contínuos.

Mas antes de sair ignorando qualquer alta, é preciso prestar atenção nos chamados "efeitos secundários" de um choque. "Efeitos secundários" ocorrem quando um choque específico de um setor acaba contaminando os outros setores.

Exemplo: caso o preço de vários alimentos suba por restrições mais profundas na oferta, ou um aumento expressivo na demanda, como tivemos durante a pandemia, é possível que essa alta pressione um aumento de salários, que pressiona os preços de serviços, que pressiona todos os produtos finais. Nesse caso, embora a alta tenha se iniciado a partir de um choque, ela acabou contaminando os outros preços e gerando um processo contínuo e generalizado.

Nessas circunstâncias o Banco Central deve, sim, atuar e desaquecer a economia como um todo antes que seja tarde demais.

Mas ignorando os choques e seus efeitos secundários, no que a política monetária foca mesmo são processos que acabam impactando todos os setores. Isso acontece geralmente quando a economia está sobreaquecida.

A atividade econômica forte faz com que aumentem vagas de emprego, que aumentam os salários, que aumenta o consumo, que aumenta o preço dos produtos, que gera inflação.

Esses aumentos exigem que haja uma redução da demanda como um todo, desaquecendo todos os setores e evitando hiperinflações e bolhas. Ambas as consequências de um superaquecimento são muito nocivas e podem jogar o país em uma crise profunda.

A taxa de juros atua como um "suavizador de ciclos", desaquecendo ou aquecendo a economia de forma generalizada e mantendo ela sempre próxima ao crescimento potencial.

O crescimento potencial é aquele que nem acelera e nem desacelera a inflação. Ele está ligado à capacidade produtiva e trabalhadora de um país, dentre outras coisas.

Hoje em dia, o Banco Central se encontra em um dilema importante: por um lado, tivemos choques agressivos nos preços de alimentos, combustíveis e gás de botijão (itens mais ligados ao câmbio). Em tese, ele não deveria ter reagido a esses choques.

Mas o mercado ficou com medo dos efeitos secundários, que começaram a dar as caras no final do ano passado. Quando olhamos para o índice de difusão, ou seja, para o percentual de itens do IPCA que estavam subindo, vimos que esse número bateu 72 por cento em dezembro.  

Gráfico apresenta IPCA – índice de difusão.
IPCA – índice de difusão. Fonte: Bloomberg


Por outro lado, não temos uma situação de alta generalizada e contínua nos preços por conta do superaquecimento da economia. Atualmente, não só temos o desemprego nas máximas históricas, segundo a PNAD, mas também nosso crescimento está longe de ser um grande destaque.

Estamos na clássica situação de efeitos secundários de choques, em uma época de crescimento ainda frágil. Mesmo assim, estamos em um ciclo agressivo de alta da Selic, o que também não ajuda na recuperação econômica.

Acho que esse é o pior tipo de alta, pois não se dá por conta da atividade extremamente forte. No entanto, não tem como fechar os olhos para o efeito secundário sob o risco de perda de credibilidade, desancoragem das expectativas e desvalorização cambial.

Vamos ficar de olho nos impactos disso na atividade. Ainda mais agora com o real se valorizando e alguns choques como alimentos, combustíveis e botijão retornando aos níveis anteriores.

Tenham uma boa semana!


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