Devo vender minhas ações no prejuízo?

A variável que lhe dará a resposta pode não ser a que você imagina.

Rafael Ragazi 18/06/2021 12:08 7 min
Devo vender minhas ações no prejuízo?

A aversão à perda

Uma das contribuições mais importantes das finanças comportamentais ao mundo dos investimentos é a famosa prospect theory (teoria da prospecção ou da perspectiva).

Kahneman e Tversky estudaram o comportamento dos indivíduos em situações que envolvem riscos dentro de prospectos de ganhos ou perdas e descobriram que os eles não são tão racionais quanto as teorias econômicas normalmente assumem.

As escolhas das pessoas não são motivadas apenas por ganhos e perdas potenciais, mas pelo valor que elas atribuem a ganhos e perdas. Os resultados dos estudos demonstraram que as perdas são consideravelmente mais indesejadas do que ganhos da mesma magnitude são desejados.

Ainda, a linguagem usada para apresentar potenciais ganhos ou perdas também tem grande influência na decisão final que será tomada, na psicologia isso é conhecido como  framing – a forma como as escolhas são apresentadas.

Por exemplo, a maioria das pessoas rejeita participar de um jogo de cara ou coroa em que se ganha 100 reais ao vencer e se paga 100 reais ao perder, mesmo sabendo que aposta é justa e que no final de algumas rodadas o valor esperado é zero: 0,5*100 + 0,5*(-100)=0.

Kahneman e Tversky testaram esse experimento com diversos indivíduos e foram variando a matriz de retornos até descobrirem que era necessário propor cerca de 250 reais no caso de vitória para que as pessoas aceitassem participar do jogo. Note que, nesse caso, o valor esperado da aposta é de 75 reais: 0,5*250 + 0,5*(-100)=75.

Dessa forma, os pesquisadores descobriram que perdas são 2,5x mais indesejadas do que ganhos equivalentes são desejados. Em outras palavras, perder 1 real é 2,5x mais doloroso do que ganhar 1 real é prazeroso.

No entanto, em um cenário em que se escolhe entre (i) uma perda certa de 750 reais e (ii) 75 por cento de chance de perder 1.000 reais e 25 por cento de chance de não perder nada, 90 por cento dos participantes escolheram a segunda opção.

Note que o valor esperado das duas opções é o mesmo (-750), mas quando as pessoas estão em uma situação em que a perda é uma realidade, o comportamento muda e elas não apenas toleram, mas buscam o risco.

Os pesquisadores também demonstraram como a forma de apresentar um problema influencia as escolhas dos indivíduos (framing effect). Quando as opções são apresentadas em termos de ganhos, o comportamento observado é o de aversão ao risco, entretanto, quando as opções são apresentadas em termos de perdas, as pessoas buscam o risco.

Por exemplo, em uma situação na qual é esperado que uma doença mate 600 pessoas, duas alternativas de programas são apresentadas: (i) 200 pessoas serão salvas e (ii) existe ⅓ de chance de salvar as 600 pessoas e ⅔ de chance de não salvar ninguém.

Novamente, o valor esperado para o número de pessoas salvas é o mesmo nas duas alternativas (200) mas, considerando os possíveis ganhos apresentados nas alternativas, 67 por cento das pessoas escolheram a primeira opção.

Contudo, quando o mesmo problema foi apresentado, mas as alternativas eram formuladas em termos de perdas: (i) 400 pessoas morrerão ou (ii) ⅓ de chance de que ninguém morra e ⅔ de chance de que todos morram, 75 por cento das pessoas escolheram a segunda opção.

Orgulho e arrependimento

Outra importante contribuição das finanças comportamentais ao mundo dos investimentos é o estudo da influência das emoções de orgulho e arrependimento no comportamento dos investidores.

Quem já investiu sabe que é difícil admitir que uma ação ruim foi escolhida (até para si mesmo). Sentimentos de arrependimento podem ser ainda mais amplificados quando é preciso admitir o erro para amigos ou familiares.

Por outro lado, os investidores costumam ficar bastante orgulhosos ao contar para o mundo inteiro (principalmente para o vizinho ou para o tio/primo no churrasco da família) sobre seus investimentos bem-sucedidos, que resultaram em grandes lucros.

É comum, principalmente dentre os menos experientes, o sentimento de que se uma posição perdedora for mantida, eventualmente ela vai se recuperar e o arrependimento será evitado.

Essas emoções de orgulho e arrependimento também podem estar por trás da tendência que os investidores têm de segurar suas posições com prejuízo por mais tempo do que deveriam e vender suas posições lucrativas antes da hora.

Foi isso que o estudo de Barber e Odean sobre o histórico de operações de mais de 10 mil clientes de uma grande corretora demonstrou, existe até um nome bonito para tal comportamento – disposition effect (efeito disposição).

Enquanto vender ações que subiram permite que o investidor realize lucros e infle sua autoestima, vender ações no prejuízo leva à realização dos dolorosos efeitos das perdas e do arrependimento.

Algo similar é observado no mercado imobiliário – quando o preço dos imóveis está subindo, o volume de vendas aumenta e as casas rapidamente são vendidas pelo preço pedido ou até acima. Já quando os preços estão caindo, o volume de vendas diminui e as pessoas deixam suas casas à venda por longos períodos, com preços anunciados bem acima dos de mercado no momento.

Contudo, essa relutância em realizar prejuízos é um comportamento subótimo no mundo dos investimentos, em que existe um benefício fiscal gerado ao realizar um prejuízo e as opções de investimentos são líquidas e abundantes.

Se ao vender uma ação com lucro você precisa pagar o imposto sobre o ganho de capital imediatamente, ao vender uma ação com prejuízo você acumula um benefício fiscal que reduzirá o imposto de renda devido em futuros lucros com ações.

Mesmo que você acredite que a ação no vermelho possa se recuperar no futuro, simplesmente não há nenhum motivo para recuperar o prejuízo com essa ação se existem oportunidades melhores de investimento no mercado.

Se for para vender, venda as que caíram, não as que subiram

A psicologia provou que as pessoas são muito mais impactadas por perdas do que por ganhos de mesma magnitude, mas que, paradoxalmente, tendem a assumir maiores riscos para evitar perdas do que para obter ganhos.

Isso significa que os investidores tendem a evitar vender as ações que caíram para não realizar perdas e não precisarem admitir que cometeram erros. Por outro lado, eles tendem a vender rapidamente as ações que subiram para sentir o gostinho do sucesso e de estarem certos.

Em alguns casos, especialmente quando o mercado como um todo está sofrendo fortes quedas ou quando você tem fortes motivos para acreditar que a companhia terá sucesso, faz todo o sentido não vender. Nessas circunstâncias, você poderia sofrer um arrependimento duplo ao ver as ações subirem logo depois de vendê-las.

Mas quando a confiança na empresa investida já não existe mais, independentemente se a realidade da empresa mudou ou se você descobriu um erro de análise, não faz sentido nenhum não vender apenas para não realizar um prejuízo.

Um prejuízo no papel é a mesma coisa que um prejuízo realizado, a decisão de não vender é exatamente a mesma decisão de comprar a ação no preço atual. Realizar o prejuízo, acumular o benefício fiscal e investir em uma ação que você confia mais e que tem mais potencial de valorização é a melhor decisão nessas situações.

Então, entenda de uma vez por todas que vender no prejuízo não é algo ruim, já vender na hora errada ou pelos motivos errados pode prejudicar os seus retornos no longo prazo.

Isso não quer dizer que se você comprou uma ação e ela caiu você deve vendê-la, afinal, no curto prazo os movimentos de preço das ações são aleatórios e apresentam pouca correlação com a realidade das empresas.

Logo, a variável mais importante de todas é a sua confiança na empresa, e o que você realmente precisa acompanhar são os eventos com potencial de aumentar/reduzir os futuros da empresa investida.

Se a ação caiu e os fundamentos não mudaram, não faça nada. Se a ação caiu e os fundamentos melhoraram, considere até aumentar sua posição.

No fim das contas, somos todos seres humanos e estamos sujeitos a vieses comportamentais e à influência negativa de nossas emoções em nossos investimentos, mas saber lidar com isso é um dos fatores que diferencia os grandes investidores dos investidores medíocres. Qual deles você quer ser?

Enquanto você pensa na resposta, que tal assistir ao terceiro episódio da série Muito Além da Bolsa, da Marilia, que saiu hoje?

O link para acesso ao vídeo está aqui.

Um abraço,

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